Tratamento da hiperglicemia em pacientes com DM2 e Insuficiência Cardíaca Crônica (IC)

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  • Última modificação do post:24 de setembro de 2024
Autores: José Francisco Kerr Saraiva, Marcello Bertoluci.
Última revisão em: 28/05/2024
DOI: 10.29327/5412848.2024-9 | Cite este Artigo

INTRODUÇÃO

A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome clínica com sinais e sintomas causados ​​por anomalias cardíacas estruturais ou funcionais, associada à congestão pulmonar e à edema periférico, corroborado por elevação de peptídeos natriuréticos e alterações em exames de imagem ou em medidas hemodinâmicas invasivas.1,2

A IC é um grave problema de saúde pública.  A estimativa mundial é de que haja 64 milhões de pessoas com IC. No Brasil, estima-se que mais de 4 milhões de indivíduos tenham IC.3 Entre as doenças não transmissíveis, a IC  é a que tem as maiores taxas de mortalidade.3 Em um estudo observacional com 3.957.520 usuários do Medicare americano, hospitalizados por IC entre 1992 e 1999, a mortalidade anual variou entre 32.5% e 31.7%.4 

A mortalidade tem caído ao longo do tempo. Uma análise da Mayo Clinic comparando os períodos de 1979-1984 e 1996-2000, a qual incluiu pacientes hospitalizados por IC, mostrou queda da incidência anual de 30% para 21% nos homens e de 20% para 17% nas mulheres.5 

FATORES DE RISCO PARA IC

O diabetes (DM) é um dos principais fatores de risco independentes para IC. Pacientes com DM2 tem aproximadamente 2x mais risco de desenvolver IC quando comparados a indivíduos sem DM2.6 Além disso, 30-40% das pessoas com IC tem DM2 ou pré-Diabetes, uma taxa que aumenta em 50% nos pacientes hospitalizados por IC.7  

O controle glicêmico ruim foi associado a risco maior para desenvolver IC. Em um estudo de coorte (n=48.858) com um acompanhamento de 2,2 anos, observou-se que, para cada 1% de aumento da HbA1c houve um aumento de 8% no risco de IC.8 

Há também maior risco de IC em mulheres comparado aos homens. No Framingham Heart Study (n=5209, idade 45-74 anos) o risco relativo ajustado para desenvolver IC em pacientes com DM foi de 1,82 para homens e 3,75 para mulheres.9 

Dados observacionais identificaram outros fatores de risco independentes para IC como a doença arterial obstrutiva periférica (DAOP), o maior tempo de duração do diabetes, o envelhecimento, o aumento do IMC e a doença renal crônica como importantes fatores adicionais fortemente associado à IC em indivíduos com DM.912 

Os principais fatores de risco para desenvolver IC em pessoas com DM2 estão descritos no Quadro 1.

Quadro 1. Fatores Risco para IC em adultos com DM2¹¹²
Fatores clínicos:
Idade
Duração do DM2
Obesidade
Uso de insulina
Controle glicêmico inadequado
Hipertensão Arterial
Doença Arterial Coronariana Isquêmica (DAC)
Doença Arterial Obstrutiva Periférica (DAOP)
História prévia de IAM
Revascularização miocárdica
Achados laboratoriais ou imagem de risco para IC:
Microalbuminúria
Redução da função renal
NT-proBNP ≥125 pg/mL
Proteína C reativa de alta sensibilidade ≥3 mg/L
Hipertrofia do Ventrículo Esquerdo

PREVALÊNCIA DE IC EM PACIENTES DM2 ASSINTOMÁTICOS
É importante salientar que a IC não reconhecida é frequente no DM2.  A prevalência de disfunção diastólica em pessoas assintomáticas com DM2 e comorbidades pre-existentes varia de 48% a 81% entre vários estudos.13,14,15 Em um estudo conduzido na Australia, Wang et al. relataram uma prevalência de 58% de pacientes assintomáticos no estágio B da IC em pacientes assintomáticos com DM2 e IC de fração preservada.16 Em um estudo italiano, os investigadores reportaram que 68% dos DM2 assintomáticos tinham alterações funcionais do VE detectáveis.17 Em outro estudo australiano 62% de pessoas caucasianas com DM2 que tinham pelo menos 1 fator de risco cardiovascular foram detectadas como estando no estágio B da IC. Ao nível da comunidade, entretanto, a prevalência de IC no estágio B é aproximadamente 35%.18

CLASSIFICAÇÃO DA IC

CLASSIFICAÇÃO FUNCIONAL

Tabela 1 – Classificação funcional NYHA (New York Heart Association)19

Tabela 1. Classificação Funcional da IC
(NYHA) Classificação
I Com doença cardíaca mas sem limitação funcional pela atividade física. Atividade física usual não causa fadiga, palpitações, dispneia ou angina.
II Leve limitação funcional à atividade física. Atividade física usual causa fadiga, palpitações, dispneia ou angina.
III Marcada limitação funcional pela atividade física. Confortável em repouso, porém atividade física menos intensa que a usual causa fadiga, palpitações, dispneia ou angina.
IV Incapacidade de fazer qualquer atividade física sem desconforto. Sintomas de IC ou de angina podem estar presentes mesmo em repouso. Qualquer atividade física aumenta o desconforto.

Tabela 2 – Classificação por estágios segundo a ACC/AHA20

Tabela 2. Estágios da IC segundo ACC/AHA²⁰
Estágio Descrição Abordagem
A Apenas risco para desenvolver IC.
Não há doença estrutural ou sintomas de IC.
Controlar fatores de risco para IC: tabagismo, dislipidemia, hipertensão arterial, etilismo, diabetes e obesidade.
B Presença de doença estrutural cardíaca.
Sem sintomas de IC.
Considerar IECA, beta bloqueador, e antagonistas mineralocorticóides.
C Doença estrutural cardíaca presente.
Sintomas prévios e atuais de IC.
Tratamento clínico otimizado, Medidas adicionais. Considerar TRC, CDI e tratamento cirúrgico.
Manejo com equipe multidisciplinar.
D IC refratária ao tratamento clínico. Requer intervenção especializada. Todas as medidas acima.
Considerar transplante cardíaco e dispositivos de assistência ventricular.
CDI: Cardiodesfibrilador; TRC: Terapia de ressincronização cardíaca;

Tabela 3 – Classificação da insuficiência cardíaca de acordo com a fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE)21

Tabela 3. Classificação de IC de acordo com a fração de ejeção
ICFEr
(FEVE reduzida)
ICFE lr
(FEVE levemente reduzida)
ICFEp
(FEVE preservada)
Função ventricular FEVE<40% FEVE 40-49% FEVE >=50%
Biomarcadores BNP ou
NTproBNP
elevados
BNP
ou NTproBNP
elevados
BNP ou
NTproBNP
elevados
Ecocardiograma Alteração
estrutural e/ou
disfunção
sistólica
Alteração
estrutural e/ou
disfunção
diastólica
Alteração
estrutural e/ou
disfunção
diastólica

SINAIS E SINTOMAS

A insuficiência cardíaca pode se manifestar com fração de ejeção preservada (ICFEp), levemente reduzida (ICFElr) ou reduzida ICFEr.21 

Os sintomas mais comuns são dispneia, edema nos tornozelos e fadiga. Os sinais podem não estar presentes na fase inicial ou em pacientes que recebem diuréticos. Na prática clínica, os sinais e sintomas de IC coexistem nas várias formas de IC, independentemente da fração de ejeção. Entretanto a soma de sinais na IC guarda relação direta com morbi-mortalidade.22

Sinais e sintomas da IC inicial podem não ser claros. Na IC avançada são variáveis e incluem os abaixo na tabela 4:

Tabela 4 – Sinais e sintomas da Insuficiência Cardíaca

Tabela 4. Sinais e sintomas de IC
Sintomas Típicos Sinais mais específicos
Dispnéia
Ortopnéia
Dispnéia paroxística noturna
Fadiga e cansaço
Intolerância ao exercício
Bendopneia
Pressão venosa jugular elevada
Refluxo hepatojugular
Terceira bulha cardíaca
Impulso apical desviado para a esquerda
Sintomas menos típicos Sinais menos específicos
Tosse noturna
Ganho de peso
Dor Abdominal
Perda de apetite
Perda de peso
Noctúria ou oligúria
Crepitações pulmonares
Taquicardia
Hepatomegalia e ascite
Extremidades frias
Edema periférico

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico de IC é dado pela presença de achados clinicos considerados critérios maiores e menores, de acordo com Framingham (tabela 5). O diagnóstico de IC é feito na presença de 2 critérios maiores ou 1 maior e 2 menores.

Tabela 5. Critérios diagnósticos de Framingham para IC²³
Critérios Maiores Critérios Menores
Edema pulmonar agudo
Cardiomegalia
Refluxo Hepato-jugular
Distensão de veias do pescoço
Dispneia Paroxística noturna
Ortopnéia
Estertores crepitantes nas bases pulmonares
Ritmo de Galope S3 - Terceira bulha
Edema do tornozelo
Dispneia de esforço
Hepatomegalia
Tosse noturna
Derrame pleural
Taquicardia > 120bpm
O diagnóstico de IC é feito na presença de 2 critérios maiores ou 1 maior e 2 menores.

Se apenas um dos sintomas e sinais estiverem presentes, pode-se suspeitar de IC e são recomendados os testes diagnósticos para confirmação diagnóstica apresentados  na Tabela 6, Quadros 2 e 3)

Tabela 6. Peptídeo Natriurético Atrial: Níveis normais²⁴
BNP (peptídeo natriurético atrial) <35-50 pg/ml
NT pro BNP (peptídeo natriurético atrial tipo B) <125 pg/ml
Quadro 2. Ecocardiografia²⁵
  • Recomendada para avaliar a função cardíaca, incluindo a função do VE, tamanho das câmaras, presença de hipertrofia, anormalidades da motilidade regional da parede, função ventricular direita, pressão pulmonar estimada, função valvar e marcadores de disfunção diastólica.

  • A ecocardiografia transtorácica deve ser considerada em pacientes com diabetes assintomáticos para detecção de IC, quando houver fatores de risco.
Quadro 3. Exames necessários para determinar etiologia da IC
  • O ECG é recomendado para detectar anormalidades como FA, sinais de hipertrofia do VE, ondas Q ou QRS alargado, cada um dos quais pode ser um sinal de IC.²⁶

  • A radiografia de tórax deve ser solicitada para investigar outras causas de dispnéia (doença pulmonar). Pode fornecer evidências de IC (por exemplo, cardiomegalia, congestão pulmonar, derrame pleural).²⁷

  • Hemograma completo, uréia, creatinina e eletrólitos, função tireoidiana e hepática, lipídios e ferritina e saturação da transferrina são recomendados para diferenciar a IC de outras condições.

TRATAMENTO DA HIPERGLICEMIA NO PACIENTE COM DM2 E IC

O tratamento da ICFEr abrange modificações terapêuticas no estilo de vida, bem como terapias farmacológicas com benefícios confirmados em estudos clínicos randomizados. A maioria dos estudos mostrou incidência de DM2 entre 30 e 40%. O foco da presente diretriz será no manejo específico da hiperglicemia no paciente com DM2 e IC, e tem por base a diretriz Luso-Brasileira UPDATE 2023 endossado pela SBD.  Não é  objetivo deste capítulo abordar o manejo completo da IC. 28

Figura 1. Fluxograma proposto pela SBD para manejo da hiperglicemia no paciente com DM2 e IC28

Adaptado de Bertoluci et al. Diabetol Metab Syndr. 2023 Jul 19;15(1):160.

RECOMENDAÇÕES

AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA

R1 – É RECOMENDADO que, em todos os indivíduos adultos com DM2, seja realizado uma história médica detalhada e um exame clínico buscando fatores de risco, sinais e sintomas sugestivos de IC.

Classe INível C

R2 – É RECOMENDADO que, na presença de sinais e sintomas de IC, uma avaliação laboratorial incluindo NT-ProBNP (ou BNP), ECG, Raio X de Tórax e Ecocardiograma Transtorácico sejam realizados, quando disponíveis, para confirmação diagnóstica.

Classe INível C

Sumários de evidências R1 e R2:

  • A IC é uma síndrome clínica, e portanto detectável ao exame clínico. Dada a alta prevalência de IC em pacientes com DM2, este painel recomenda por opinião de experts que todos indivíduos adultos com DM2 sejam examinados e avaliados para sinais e sintomas de IC.

R3 – DEVE SER CONSIDERADO o rastreamento com NT-ProBNP (ou BNP), quando disponíveis, para disfunção ventricular em pacientes com DM2 assintomáticos, que sejam de alto risco para IC.

Classe IIaNível C

Sumário de evidências:

  • Pacientes DM2 com alto risco cardiovascular têm maior propensão para desenvolver disfunção VE sem sinais e sintomas. 
  • Pacientes com pré-IC (estágio B) tem taxas de mortalidade consideráveis. Em revisão sistemática, a mortalidade por todas as causas de pacientes com pré-IC (estágio B) nos EUA foi estimada em 0.8 por 100 pessoas-ano.29 Em outra revisão sistemática, 1.6% dos pacientes com pre-IC (n = 2380) no Japão morreram em uma mediana de 12.7 meses.30  Na Italia, foi relatado que 0.6% dos pacientes em risco de IC(n = 337) tiveram morte cardiovascular e 0.9% morte  não-cardiaca em uma mediana mediana de 22 meses.31
  • A identificação e início precoce de tratamento da IC pode melhorar o prognóstico. Nos estudos EMPAREG, CANVAS  E DECLARE houve redução de internação por IC em pacientes de alto risco CV sem diagnóstico prévio de IC. 32,33,34

META DE CONTROLE GLICÊMICO PARA PACIENTES COM DM2 E IC

R4 – Em pacientes DM2 com ICFEP ou ICFEr DEVE SER CONSIDERADO buscar o controle glicêmico otimizado, procurando atingir e manter de forma estável a meta de HbA1c 6,5-7,5%, devendo ser evitadas reduções abruptas.

Classe IIaNível B

Sumário de evidências:

  • Não foram encontrados estudos em pacientes com DM comparando o tratamento da hiperglicemia para metas de HbA1c com  desfechos relacionados à IC.
  • Estudo observacional entretanto mostrou relação direta entre niveis de HbA1c e desfechos relacionados à IC em pessoas com DM2. No estudo de Rawshani, uma coorte com 271,174 pacientes com DM2  registrados no Swedish National Diabetes Register e 1,355,870 controles sem diabetes pareados por idade, sexo e região, foram  acessados  pacientes com diabetes de acordo com a idade categoria de acordo com a presença de 5 fatores de risco, incluindo HbA1C e outros fatores de risco. O desfecho estudado foi morte, infarto agudo do miocardio, AVC e hospitalização por IC. Ao longo de 5,7 anos houve 175.345 mortes. A HbA1c fora da meta foi o principal fator preditivo para IAM e AVC.  O risco de hospitalização por IC foi menor quando o nível de HbA1c era menor do que 7%.35
  • Niveis elevados de HbA1c estão claramente associados a piores desfechos relacionados à IC. Um estudo de coorte com 25.858 homens e 22.900 mulheres com DM2, sem história de IC avaliou a associação HbA1c e risco de hospitalização ou morte por IC. Houve 955 eventos em 2,2 anos. Após ajustes para diversos fatores de risco, observou-se uma relação linear direta onde, para cada aumento de 1% na HbA1c houve um aumento associado de 8% no risco de desfechos relacionados à IC. Comparativamente a uma HbA1c<7%, uma HbA1c acima do que 10% foi associada a um risco 1,56x maior para IC.36
  • Uma coorte prospectiva do Sing Health Diabetes Registry (SDR) com 17,389 pacientes diagnosticados com DM2 de 2013 a 2016 com registros de estendendo até 2019 procurou observar a trajetória da HbA1c e sua relação com hospitalização por IC (HIC). Associação entre trajetórias de HbA1c e risco para  primeira HIC foi quantificada pelo modelo de Cox. Ao todo, 5 trajetórias distintas de HbA1c foram identificadas:  1. Baixa e estável (36.1%), 2. Elevada e estável (40.4%), 3. Elevada, caindo gradualmente (3.5%), 4. Elevada caindo rapidamente (10.8%), e 5. moderada, caindo gradualmente (9.2%) ao longo de 7 anos do estudo. Trajetórias de HbA1c mal controladas (Classes 3, 4, and 5) foram associadas a maior risco de HIC. Pacientes que tiveram trajetorias estaveis entre 6,5-7,5% de HbA1c de forma estavel tiveram menor numero de internações por IC.37

TRATAMENTO FARMACOLÓGICO: PRIMEIRA ESCOLHA

R5 – Em pacientes DM2 e IC, com qualquer fração de ejeção, É RECOMENDADO o uso de inibidores do SGLT2 como anti-diabéticos de primeira escolha para controle glicêmico, redução de hospitalização por IC e de morte cardiovascular, independentemente do nível de HbA1c.

Classe INível A

Sumário de evidências:

  • Dois ensaios randomizados controlados por placebo investigaram o efeito de um inibidor de SGLT2 em comparação com placebo adicionado à terapia médica ideal (OMT) em pacientes com ICFEr com e sem diabetes. O estudo DAPA-HF (Dapagliflozina e Prevenção de Resultados Adversos em Insuficiência Cardíaca) incluiu pacientes com IC em classe da New York Heart Association (NYHA) II-IV com FEVE ≤40% apesar da NT-proBNP  em ritmo sinusal ≥600 pg/mL, em Fibrilação Atrial ≥900 mg/mL ou ≥400 pg/mL se tiverem sido hospitalizados por IC nos últimos 12 meses). Pacientes com DM1 ou TFGe <30 mL/min/1,73 m2 foram excluídos. A terapia com dapagliflozina 10 mg /dia vs placebo reduziu  o risco do desfecho primário, um composto de piora da IC (hospitalização ou visita hospitalar de urgência resultando em terapia intravenosa para IC) ou morte CV, em 26% (HR 0,74; IC 95%, 0,65–0,85). Além disso, a dapagliflozina reduziu a mortalidade por todas as causas (HR 0,83; IC 95%, 0,71–0,97) , melhorou os sintomas, a capacidade física e a qualidade de vida em pacientes com ICFEr. Todos os benefícios clínicos observados foram independentes do estado basal de diabetes e terapia de redução da glicemia de base, e consistente em todo o espectro de HbA1c.38 
  • O estudo EMPEROR-Reduced (Empagliflozin Outcome Trial in Pacientes com Insuficiência Cardíaca Crônica com Fração de Ejeção Reduzida) avaliou empagliflozina versus placebo com ICFEr com e sem diabetes e incluiu pacientes com ICFEr em classe II-IV da NYHA e FEVE ≤40% apesar com TFGe ≥20 mL/min/1,73 m2 e NT-proBNP elevado (FE ≤30% ou FE ≤40% e hospitalização por IC em 12 meses: NT-proBNP ≥600 pg/mL; FE 31–35%: NT-proBNP ≥1000 pg/mL; FE 36–40%: NT-proBNP ≥2500 pg/mL). A Empagliflozina 10 mg o.d. reduziu o risco do desfecho primário, um composto de morte CV ou hospitalização por IC, em 25% vs. placebo (HR 0,75; IC 95%, 0,65–0,86). Este efeito foi consistente entre pacientes com e sem diabetes em linha de base.39
  • O tratamento com empagliflozina melhorou a qualidade de vida35. Uma meta-análise dos ensaios DAPA-HF e EMPEROR-Reduced mostrou uma redução consistente na hospitalização por IC ou morte CV, morte CV e mortalidade por todas as causas por Tratamento com inibidor de SGLT2 sem heterogeneidade significativa entre os ensaios.42
  • O inibidor combinado de SGLT1 e SGLT2 sotagliflozina foi investigado em pacientes com DM2 que foram recentemente hospitalizados por piora da IC, independentemente de sua FEVE (ensaio SOLOIST-WHF [Effect of Sotagliflozin on Cardiovascular Events in Patient with Type 2 Diabetes Post Worsening Heart Failure]). Foram excluídos pacientes com TFGe <30 mL/min/1,73 m2.  A sotagliflozina reduziu significativamente o RR do desfecho primário composto (morte CV, hospitalização por IC ou consulta urgente por IC) em 33% em comparação com o placebo (HR 0,67; IC 95%, 0,52–0,85). O efeito do tratamento foi consistente em todo o espectro da FEVE.41 
  • O estudo EMPULSE (Um Estudo para Testar o Efeito da Empagliflozina em Pacientes que Estão Hospitalizados por Insuficiência Cardíaca Aguda) randomizou 530 pacientes hospitalizados com e sem diabetes com diagnóstico primário de IC aguda de novo ou descompensada, independentemente da FEVE quando clinicamente estável, para receber empagliflozina ou placebo. Um  numero maior pacientes tratados com empagliflozina tiveram benefício clínico (taxa de vitória 1,36; IC 95%, 1,09–1,68) em comparação com placebo. Este efeito foi consistente para IC aguda de novo e crónica descompensada e foi observado independentemente da FEVE ou da presença de diabetes.4 Nestes ensaios, foram notificados muito poucos casos de cetoacidose diabética euglicémica; ainda assim, os médicos que tratam pacientes com diabetes com inibidores do SGLT2 neste cenário devem estar cientes desta complicação rara, mas potencialmente grave. É digno de nota que a interpretação incorreta das alterações da TFGe pode levar à descontinuação inadequada de agentes modificadores da doença e deve ser evitada.42

Pacientes com IC de fração de ejeção preservada ou levemente reduzida

  • O estudo EMPEROR-Preserved (Empagliflozin Outcome Trial in Pacients with Heart Failure with preserved Ejection Fraction) incluiu pacientes com classe II-IV da NYHA, FEVE >40% e NT-proBNP elevado (>300 pg/mL em ritmo sinusal; >900 pg/mL na FA). Pacientes com TFGe <20 mL/min/1,73 m2 foram excluídos. Em comparação com o placebo, a empagliflozina reduziu o risco do desfecho primário, um composto de morte CV ou hospitalização por IC, em 21%, o que foi principalmente relacionado a um risco 29% menor de hospitalização por IC. Este efeito foi independente da presença de diabetes.43
  • O estudo DELIVER (Avaliação de Dapagliflozina  na redução de desfechos em pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada) incluiu 6.263 pacientes com classe II-IV da NYHA, uma FEVE >40%, NT-proBNP elevado (>300 pg/mL em ritmo sinusal; >600 pg/mL em FA) e TFGe ≥25 mL/min/1,73 m2. A dapagliflozina reduziu o desfecho primário, um composto de agravamento da IC ou morte CV, em 18%, o que foi impulsionado principalmente por uma redução na hospitalização por IC. Este efeito foi independente da presença de diabetes.44 
  • Uma meta-análise incluindo 12.251 participantes do DELIVER e do EMPEROR-Preserved mostrou que os inibidores do SGLT2, em comparação com o placebo, reduziram um composto de morte CV e primeira hospitalização por IC (HR 0,80; IC 95%, 0,73–0,87), com reduções consistentes em ambos os componentes: morte CV (HR 0,88; IC 95%, 0,77–1,00) e primeira hospitalização por IC (HR 0,74; IC 95%, 0,67–0,83).45

METFORMINA

R6 – Em pacientes com DM2 e IC crônica, o uso de metformina ESTÁ RECOMENDADO em associação com os inibidores do ISGLT2, para controle da glicemia, redução de mortalidade e risco de admissão por IC, desde que a TFG esteja acima de 30ml/min/1,73m2.

Classe INível B

Sumário de evidências:

  • Embora não tenham sido realizados estudos randomizados e controlados de segurança cardiovascular, com metformina, estudos observacionais tem mostrado associação com menor número de eventos cardiovasculares. menor risco de morte e de hospitalização por IC em comparação a pacientes usando insulina e sulfonilureias. 

Redução de mortalidade:

  • Em uma coorte retrospectiva com 16.417 pacientes idosos com  diabetes com alta após hospitalização por IC, o tratamento com metformina foi associado a uma redução significativa de 18% no risco de morte por todas as causas. (HR=0.87, 95% CI 0.78 to 0.97).46
  • Em estudo retrospectivo utilizando a base de dados do The Saskatchewan Health diseases, 12.272 novos usuários de antidiabéticos orais  foram identificadis entre 1991 e 1996. Pacientes com IC incidente (n=1.833) foram identificados e agrupados de acordo com o tipo de terapia: metformina monoterapia (n=208) sulfonilureia monoterapia (n=773) ou combinação (n=852). Após o seguimento d 2,5 anos,  análise multivariada de Cox mostrou uma menor mortalidade em pacientes usando metformina em relação aos usando sulfoniluréias: HR 0.70 (0,54-0,91).47,48,49,50
  • Metanálises de estudos observacionais e de ensaios clinicos randomizados confirmam a redução da mortalidade cardiovascular  com metformina em monoterapia em comparação com as sulfonilureias e da redução da mortalidade por todas as causas em pacientes com DM2 tratados com metformina.51,52,53
  • Em metanálise incluindo 40 estudos observacionais, prospectivos e retrospectivos, com mais de 1 milhão de pacientes com DM2, metformina reduziu mortalidade por todas as causas e a incidência de eventos CV em pessoas com IC e DAC comparado as sulfonilureias ou nenhuma medicação.54
  • Em pacientes com ICFEp a metformina reduziu mortalidade a longo prazo seguindo admissão por IC aguda e mortalidade por todas as causas em pacientes com mau controle glicêmico.55,56
  • Uma revisão sistemática com meta regressão mostrou uma redução significativa de mortalidade na ICFEp pela metformina mesmo após ajustes para outras terapias de IC, incluindo beta-bloqueadores e IECA.57
  • Em estudo de coorte com pacientes diabéticos com IC avançada (II e IV) a sobrevida de 1 ano nos pacientes tratados e não tratados com foi  91% and 76% respectively, um resultado não estatisticamente significativo após ajustes multivariados.58

Risco de hospitalização por IC

  • Metformina reduziu o risco de admissões por IC comparado a pioglitazona, sulfonilureias, ou outros esquemas sem metformina, e comparativamente às  sulfonilureias em pacientes DM2 que persistiram com metformina apesar da redução da filtração glomerular. Este beneficio foi confirmado em revisões sistemáticas e metanálises. 46,59,60,61,62
  • Em um estudo observacional retrospectivo, os benefícios da metformina em reduzir exacerbações da IC dissipou-se após poucos dias de suspensão do seu uso, e uma exposição  cumulativa não diminuiu o risco de exacerbações da IC.63
  • Em outro estudo, a metformina foi associada a menor risco de hospitalização por IC, associado a  menor risco de hospitalização por IC em um padrão dose-reposta dependente, com benefício especialmente quando usada por mais de 2,5 anos.64 

Risco de novos casos de IC

  • Em alguns estudos, o tratamento crônico com metformina se associou a menor risco de IC de inicio recente.65,66
  • McAlister et al. estimaram que em cada 4,4 casos de IC por 100 tratamentos-ano ocorreram em pacientes usando sulfonilureias em monoterapia versus 3.3 casos de IC por 100 tratamentos-ano naqueles usando monoterapia com metformina.67 

Nota Importante 1: Metformina na IC grave

  • A metformina não deve ser usada em pacientes com IC grave ou instável, em razão de maior risco de desenvolvimento de acidose lática.

  • A metformina é segura na IC quando a Taxa de filtração Glomerular estiver >30 mL/min/1,73 m2). Acidose láctica é muito rara.68,69

AGONISTAS DO GLP-1

R7 – Em pacientes com DM2 e ICFEp, com obesidade ou sobrepeso, a semaglutida está RECOMENDADA em associação com os ISGLT2 para reduzir a glicemia, reduzir o peso e aumentar a qualidade de vida nestes pacientes.

Classe IIaNível B

Sumário de evidências:

  • O estudo STEP-HFpEF avaliou o efeito da semaglutida em pacientes  obesos com IC de fração de ejeção preservada em desfechos primários duplos (alteração no Kansas City Cardiomyopathy Questionnaire-Clinical Summary Score (KCCQ-CSS) e no peso corporal) e desfechos secundários confirmatórios (alteração na distância caminhada de 6 minutos (DTC6), composto hierárquico (óbito, eventos de IC, alteração no KCCQ-CSS e DTC6) e alteração na proteína C reativa (PCR) na obesidade classes I–III (índice de massa corporal (IMC) 30,0–34,9 kg m2, 35,0–39,9 kg m2 e ≥40 kg m2) após 52 semanas. A semaglutida melhorou consistentemente os resultados em todas as categorias de obesidade.70
  • No estudo STEP-HFpEF DM foram randomizados pacientes com ICFEp, IMC >30kg/m2 e DM2 para receber semaglutida SC 2,4mg 1x semana por 52 semanas. O desfecho primário foi a alteração média no KCCQ-CSS (13,7 pontos para semaglutida e 6,4 pontos para o placebo) um aumento de 7,3 pontos (95% IC  4,1 a 10,4 p<0,001. O percentual de perda de peso foi -9,8% com a semaglutida e -3,4% com o placebo. Entre pacientes com IC relacionada à obesidade e DM2 com FE preservada a semaglutida SC 2,4mg levou a maiores reduções de sintomas relacionados à IC e das limitações físicas quando comparadas ao placebo.71
  • A  meta-análise de Sattar e cols incluindo 8 ensaios clinicos randomizados que incluíram 60.080 pacientes com DM2 sem IC mostrou que os agonistas do GLP-1, reduziram  hospitalização por IC em 11% (HR 0,89 IC 95 0,82-0,98 p=0,013 pelo AR GLP-1 em comparação com o placebo.72
  • Uma metanalise de 9 ensaios clinicos randomizados incluindo apenas pacientes com IC, onde agonistas GLP-1 foram comparados a placebo, com, ao todo, 871 pacientes, não mostrou redução de mortalidade, hospitalização por IC.73
  • Agonistas do receptor GLP-1 reduziram o risco de hospitalização por IC e morte cardiovascular em pacientes sem IC. Oito estudos de segurança cardiovascular foram concluídos com agonistas do GLP-1 em pacientes com DM2, e a prevalência de IC estabelecida nesses ensaios variou entre 9% e 24%. A maioria dos AR de GLP-1 teve um efeito neutro no risco de hospitalização por IC nos estudos clínicos randomizados e controlados por placebo que avaliaram a segurança CV de medicamentos anti-hiperglicemiantes em pacientes com DM2 com DCV ou com alto risco. 7482
  • Três pequenos ECRs de AR GLP-1 foram conduzidos em pacientes com ICFEr.83
  • O estudo LIVE distribuiu aleatoriamente 241 pacientes com ICFER crônica estável, com ou sem DM, para placebo ou liraglutida. Embora não tenha ocorrido alterações na FEVE, qualidade de vida ou classe funcional, após 24 semanas de tratamento foram observados eventos cardíacos adversos mais graves (taquicardia ventricular sustentada, FA requerendo intervenção e agravamento de DIC; 12 [10%] vs. 3 [3%] para liraglutida e placebo , respectivamente; P = 0,04).84
  • O Estudo SELECT avaliou a semaglutida na redução de desfechos cardiovasculares em uma população com obesidade e doença cardiovascular sem diabetes. O SELECT foi um estudo clínico randomizado, duplo-cego, controlado por placebo. Os desfechos primários incluíram morte cardiovascular, infarto do miocárdio não fatal e acidente vascular cerebral não fatal. O segundo objetivo do estudo foi avaliar a segurança da semaglutida no contexto da amostra definida62. Um total de 17.604 pacientes foram incluídos; 8.803 foram designados para receber semaglutida e 8.801 para receber placebo. A duração média (±DP) da exposição à semaglutida ou placebo foi de 34,2±13,7 meses e a duração média do acompanhamento foi de 39,8±9,4 meses. Em relação às características da população, a idade média foi de 61 anos, sendo 27% mulheres. O índice de massa corporal (IMC) médio foi 33 kg/m2, sendo que mais de 70% desses pacientes apresentavam IMC>30 kg/m2. 66% dos pacientes apresentaram HbA1c>5,7%, caracterizando alta incidência de pacientes com síndrome metabólica. Além disso, mais de 75% destes pacientes já haviam apresentado infarto prévio e cerca de 25% possuíam insuficiência cardíaca. Em relação aos objetivos primários, a semaglutida proporcionou uma redução de 20% nos resultados combinados de morte cardiovascular, infarto e acidente vascular cerebral não fatal (p<0.01). Além disso, observou-se uma redução de 18% nos desfechos combinados de mortalidade cardiovascular ou internação por insuficiência cardíaca (IC 95% 0.71-0.96).85
  • Uma análise pré-especificada do estudo SELECT analisou os efeitos da semaglutida em desfechos relacionados à insuficiência cardíaca, em pacientes com IC prévia. De 13.314 indivíduos incluídos, 4286 possuíam histórico de Insuficiência cardíaca, dos quais 2.273 tinham diagnóstico de ICFER e 1.347 de ICFeP. No subgrupo de indivíduos com ICFeR observou-se uma redução de 35 % IC (0,49-087) de desfechos combinados com a semaglutida.  Nos indivíduos com ICFeP houve uma redução de 31% IC (0,51-0.91) com o uso da semaglutida. Quando se comparou indivíduos com IC com os sem IC, não se observou interação entre os grupos.111

R8 – Em pacientes com DM2 e ICFEr, os agonistas do GLP-1 PODEM SER CONSIDERADOS em associação com os ISGLT2 e metformina para reduzir a glicemia. Devem, no entanto, nos casos graves de IC, serem usados com cautela, em função do risco aumentado de arritmias.

Classe IIbNível B

Sumário de evidências:

  • O estudo FIGHT (Functional Impact of GLP1 for HF Treatment) distribuiu aleatoriamente 300 pacientes com e sem DM com ICFEr e uma hospitalização recente por IC para liraglutida ou placebo. Após 180 dias de tratamento, o desfecho primário (tempo até a morte, tempo até a reinternação por IC e mudança proporcional média no tempo no nível de NT-proBNP desde o início até 180 dias) não foi diferente entre os grupos. Além disso, houve uma diferença não significativa de 41% entre os grupos no número de reinternações por IC no grupo liraglutida vs 34% no grupo placebo; (HR 1,30, IC 95% , 0,89–1,88; P = 0,17) e observou-se um aumento significativo na ocorrência de arritmias ventriculares.86 

INIBIDORES DA DPP-4

R9 – Os inibidores da DPP-4 (sitagliptina, linagliptina) PODEM SER CONSIDERADOS para tratamento da hiperglicemia em pacientes com DM2 com IC, ou em risco de IC.

Classe IIbNível B

Sumário de evidências:

  • Quatro inibidores da DPP-4 (sitagliptina, saxagliptina, alogliptina e linagliptina) foram testados em ensaios dedicados de segurança CV controlados por placebo em pacientes com DM2 com ou com alto risco de DCV. A sitagliptina e a linagliptina tiveram um efeito neutro e são consideradas seguras na IC.8790

Nota importante 2: Inibidores da DPP-4 com risco indefinido na IC

  • A alogliptina foi associada a uma tendência não significativa de aumento na hospitalização por IC.91

  • A vildagliptina, não foi testada em CVOTs em pacientes com IC.92

R10 – A saxagliptina não é recomendada em pacientes com IC ou em risco de IC por aumentar o risco de hospitalizações por IC.

Classe IIINível B

Sumário de evidências:

  • A saxagliptina aumentou significativamente o risco de hospitalização por IC e não é recomendada em pacientes com DM com ou com risco aumentado de IC.93

SULFONILUREIAS

R11 – O uso de sulfonilureias PODE SER CONSIDERADO em pacientes com DM2 e IC crônica, entretanto devem ser usadas com cautela por promoverem ganho de peso e maior risco de hipoglicemia.

Classe IIbNível B

Sumário de evidências:  

  • Os dados sobre os efeitos das sulfonilureias na IC são controversos.A grande heterogeneidade deriva especialmente do comparador que é utilizado, e pelo fato da maioria dos estudos serem observacionais. Quando comparadas à metformina, 2 estudos retrospectivos, com 111.971 pacientes DM2, mostraram uma taxa de mortalidade ∼20–60% maior e um risco de IC ∼20–30% maior.94,95 No entanto, em ensaios clinicos randomizados como os estudo UKPDS, NAVIGATOR (Nateglinide And Valsartan in Impaired Glucose Tolerance Outcomes Research) e ADOPT, não houve aumento dos sinais de IC.9698
  • Em dados mais recente, a segurança das sulfonilureias foi comprovada no ensaio clínico randomizado CARMELINA, que comparou a linagliptina vs. glimepirida em uma população de alto risco cardiovascular com DM2, não mostrou aumento de risco de hospitalização por IC por esta sulfonilureia.99
  • O ensaio clinico randomizado e aberto, TOSCA.IT, comparou a pioglitazona com sulfonilureias em pacientes DM2 de meia idade que estavam usando metformina. Os pacientes foram randomicamente alocados para receber pioglitazona ou uma sulfonilurea (glibenclamida, glimepirida, or gliclazida). A escolha da sulfonilureia era determinada pela prática local. O desfecho primário era a ocorrência de  eventos ateroscleróticos isquêmicos (morte cardiovascular, IAM não fatal e AVC não-fatal. Durante um seguimento médio de 4,7 anos os investigadores não relataram diferenças entre os dois grupos de tratamento e o desfecho primário. 
  • A incidência cumulativa de IC no TOSCA.IT durante um seguimento médio de 4,7 anos foi 1.0% (0,8% no braço sulfonilureia e 1,2% no braço pioglitazona, com uma taxas anualizada de 0,2% ao ano. (IC era desfecho secundário e foi adjudicado por um comitê independente.100
  • Os investigadores do TOSCA.IT relatam que a incidência de IC no trial foi baixa e não diferente entre os dois tratamentos. A diferença no risco de IC entre os dois grupos teria sido pequena e difícil de definir devido ao pequeno número de eventos. Os investigadores concluiram que não houve diferença no risco de IC nos 2 grupos de tratamento. No entanto há ainda discussões sobre o uso de sulfonilureias em pacientes com IC, uma vez que o risco de IC foi semelhante ao da pioglitazona que é conhecida por aumentar o risco de IC.101
  • Um estudo nacional realizado na Escócia avaliou a segurança cardiovascular de mundo real para sulfonilureias, em comparação com inibidores da dipeptidilpeptidase-4 e tiazolidinedionas, através do desenvolvimento de metodologia robusta para inferência causal. O desfecho primário foi o composto eventos cardiovasculares adversos maiores (MACE), incluindo hospitalização por IM, hospitalização para acidente vascular cerebral isquêmico, hospitalização por Insuficiencia cardíaca  e morte CV. Comparando SU com não-SU (DPP4i/TZD), a taxa de risco (HR) para MACE foi de 1,00 (IC 95%: 0,91–1,09) e 1,02 (0,91–1,13). Para todas as causas de morte, a taxa de risco foi 1,03 (0,94–1,13), Este estudo observacional demonstrou baixa probabilidade das sulfonilureias usadas como terapia hipoglicemiante de segunda linha aumentem risco cardiovascular,risco de hospitalização por IC  ou mortalidade por todas as causas em uma população não selecionada com ou sem alto risco cardiovascular de eventos cardiovasculares maiores pré-existentes.107.
  • O risco de IC  parece ser dependente da dose da sulfonilurea. Doses maiores levariam a maiores riscos. Em uma metanalise de estudos observacionais foi observado um aumento de risco de IC de 17% em pacientes já usando sulfonilureias e de 22% nos novos usuários de sulfonilureas.102

TIAZOLINENEDIONAS

R12 – A pioglitazona NÃO É RECOMENDADA para o tratamento da hiperglicemia em pacientes com DM2 com IC ou em risco de IC, por estar associada a agravamento e maior número de internações por IC.

Classe IIINível A

Sumário de evidências:

  • As tiazolidinedionas aumentaram o risco de hospitalização por IC em vários ensaios clinicos e não são recomendadas em pacientes com diabetes com sintomas ou em risco de IC. 103-106

TERAPIA BASEADA EM INSULINA: 

R13 – O uso de insulina em paciente com IC PODE SER CONSIDERADO  para tratamento da hiperglicemia em pacientes com DM2 com IC, devendo ser utilizada com cautela nos pacientes com IC grave.

Classe IIbNível C

Sumário de evidências:

  • Não encontramos estudos randomizados com insulina em pacientes com IC. Em um estudo retrospectivo de pacientes DM2 com IC avançada (estagio 4), o uso de insulina esteve associado a um prognóstico significativamente pior. No entanto, este estudo é limitado, pois os pacientes usando insulina eram sabidamente mais graves, com mais doença coronariana isquêmica e bem mais tempo de diabetes, o que limita as conclusões do estudo.108 

R14 – Os análogos de insulina basal (glargina e degludeca) DEVEM SER CONSIDERADOS para melhora do controle glicêmico em pacientes com DM2 e IC, quando a HbA1c não atingir a meta.

Classe IIaNível B

Sumário de evidências:

  • Dois análogos de insulina basal foram avaliados em ensaios clinicos randomizados dedicados a desfechos cardiovasculares. No estudo ORIGIN, com 12.537 pacientes (idade média de 63,5 anos) com alto risco CV, com intolerância à glicose ou DM2, foram randomizados para receber insulina glargina titulada para um nível de glicemia em jejum de ≤5,3 mmol/L (≤95 mg/ dL) ou cuidados padrão. Após um acompanhamento médio de 6,2 anos, a insulina glargina não apresentou aumento nas hospitalizações por IC.109
  • O estudo randomizado DEVOTE, uma comparação duplo-cego da insulina degludec de ação ultralonga, uma vez ao dia, vs insulina glargina, recrutou 7.637 pacientes com DM2 com DCVA ou em alto Risco CV. O tratamento com insulina degludec versus insulina glargina não diferiu em relação à hospitalização por IC.110


RESUMO DAS RECOMENDAÇÕES


RECOMENDAÇÕES CLASSE NÍVEL
R1 – É RECOMENDADO que, em todos os indivíduos adultos com DM2, seja realizado uma história médica detalhada e um exame clínico buscando fatores de risco, sinais e sintomas sugestivos de IC. I C
R2 – É RECOMENDADO que, na presença de sinais e sintomas de IC, uma avaliação laboratorial incluindo NT-ProBNP (ou BNP), ECG, Raio X de Tórax e Ecocardiograma Transtorácico sejam realizados, quando disponíveis, para confirmação diagnóstica. I C
R3 – DEVE SER CONSIDERADO o rastreamento com NT-ProBNP (ou BNP), quando disponíveis, para disfunção ventricular em pacientes com DM2 assintomáticos, que sejam de alto risco para IC. IIa C
R4 – Em pacientes DM2 com ICFEP ou ICFEr DEVE SER CONSIDERADO buscar o controle glicêmico otimizado, procurando atingir e manter de forma estável a meta de HbA1c 6,5-7,5%, devendo ser evitadas reduções abruptas. IIa B
R5 – Em pacientes DM2 e IC, com qualquer fração de ejeção, É RECOMENDADO o uso de inibidores do SGLT2 como anti-diabéticos de primeira escolha para controle glicêmico, redução de hospitalização por IC e de morte cardiovascular, independentemente do nível de HbA1c. I A
R6 – Em pacientes com DM2 e IC crônica, o uso de metformina ESTÁ RECOMENDADO em associação com os inibidores do ISGLT2, para controle da glicemia, redução de mortalidade e risco de admissão por IC, desde que a TFG esteja acima de 30ml/min/1,73m2. I B
R7 – Em pacientes com DM2 e ICFEp, com obesidade ou sobrepeso, a semaglutida está RECOMENDADA em associação com os ISGLT2 para reduzir a glicemia, reduzir o peso e aumentar a qualidade de vida nestes pacientes. IIa B
R8 – Em pacientes com DM2 e ICFEr, os agonistas do GLP-1 PODEM SER CONSIDERADOS em associação com os ISGLT2 e metformina para reduzir a glicemia. Devem, no entanto, nos casos graves de IC, serem usados com cautela, em função do risco aumentado de arritmias. IIb B
R9 – Os inibidores da DPP-4 (sitagliptina, linagliptina) PODEM SER CONSIDERADOS para tratamento da hiperglicemia em pacientes com DM2 com IC, ou em risco de IC. IIb B
R10 – A saxagliptina não é recomendada em pacientes com IC ou em risco de IC por aumentar o risco de hospitalizações por IC. III B
R11 – O uso de sulfonilureias PODE SER CONSIDERADO em pacientes com DM2 e IC crônica, entretanto devem ser usadas com cautela por promoverem ganho de peso e maior risco de hipoglicemia. IIb B
R12 – A pioglitazona NÃO É RECOMENDADA para o tratamento da hiperglicemia em pacientes com DM2 com IC ou em risco de IC, por estar associada a agravamento e maior número de internações por IC. III A
R13 – O uso de insulina em paciente com IC PODE SER CONSIDERADO para tratamento da hiperglicemia em pacientes com DM2 com IC, devendo ser utilizada com cautela nos pacientes com IC grave. IIb C
R14 – Os análogos de insulina basal (glargina e degludeca) DEVEM SER CONSIDERADOS para melhora do controle glicêmico em pacientes com DM2 e IC, quando a HbA1c não atingir a meta. IIa B

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Cite este artigo

José Francisco Kerr Saraiva, Marcello Bertoluci. Tratamento da hiperglicemia em pacientes com DM2 e Insuficiência Cardíaca Crônica (IC). Diretriz Oficial da Sociedade Brasileira de Diabetes (2024). DOI: 10.29327/5412848.2024-9, ISBN: 978-65-272-0704-7.