Ferramentas Digitais em Diabetes

Autores: Laerte Damaceno, Fernando Valente, Glaucia Duarte e Sonia de Castilho
Editor-Chefe: Marcello Bertoluci
Última revisão em: 20/04/2023
DOI: 10.29327/5238993.2023-9 | Cite este Artigo

Introdução


O diabetes é uma epidemia global1 que dá origem a um grande volume de informação e dados, passíveis de armazenamento na nuvem. Conectados a uma plataforma digital, os dados geram um Big Data que, tratado por Computação Cognitiva2, produz algoritmos capazes de levar ao aprimoramento das intervenções em diabetes segundo as melhores evidências científicas.

CGM

Na Monitorização Contínua de Glicose (CGM)3, o sensor instalado no subcutâneo captura dados e os envia a um aplicativo no smartphone, que por sua vez os encaminha à nuvem, podendo integrar-se a outros dados gerados automaticamente ou imputados manualmente. As ferramentas digitais são portanto, recursos que possibilitam a utilização das tecnologias na construção de sistemas, permitindo a realização de intervenções clínicas em diabetes.

Telemedicina

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define telemedicina como a oferta de serviços de saúde por profissionais de saúde onde a distância é um fator crítico, usando tecnologias de informação e comunicação para a troca de conhecimento necessário ao diagnóstico, tratamento, prevenção das doenças, avaliação, pesquisa e educação continuada de profissionais da saúde, com a finalidade de melhorar a saúde dos indivíduos e de suas comunidades4. Nesta conceituação abrangente, os Sistemas ou Plataformas de Comunicação em Telemedicina incluem chamadas telefônicas, respostas interativas de voz (IVR), serviços de mensagens curtas (SMS), vídeos bidirecionais, e-mail, websites, tecnologias móveis como smartphones, tablets etc5. De disponibilização recente, algumas plataformas disruptivas serão a próxima fronteira do desenvolvimento da medicina, especialmente no cuidado de doenças crônicas, como o RetinaRiskApp, outras plataformas de diagnóstico de retinopatia por inteligência artificial a partir de imagens captadas por smartphone e as terapias digitais.

Retina Risk App

A Retina Risk (RetinaRiskapp) é uma plataforma de cálculo e estratificação do risco para desenvolvimento de retinopatia diabética que se baseia em algoritmos gerados pelo estudo de dados retrospectivos de risco para a retinopatia6. A estratificação baseada neste cálculo permite o uso mais racional de recursos necessários aos cuidados com a doença ocular no diabetes. Encontram-se disponíveis também plataformas de diagnóstico autônomo e instantâneo de retinopatia diabética baseado na análise de imagens da retina captadas por lentes acopladas a um smartphone e guiadas por Inteligência Artificial7.

Terapias digitais

Terapias digitais são plataformas de gerenciamento de cuidados em diabetes, autônomas ou mediadas por profissionais de saúde, com base em websites, aplicativos e smartphones, resultando em melhor padrão de controle e significativa redução de HbA1c mantida em médio prazo. Estudos clínicos já publicados avaliam benefícios, segurança e custo efetividade3. Dada a diversidade de tecnologias e intervenções utilizadas, os estudos clínicos encontrados na literatura são muito heterogêneos, havendo a necessidade de demonstração de evidências mais robustas. Aparentemente a produção dessas evidências está em curso como decorrência da existência da tecnologia necessária e do novo momento desencadeado pela pandemia de COVID-19, resultante da disseminação global do SARS-Cov-2 a partir de Wuhan (China)8

Para muitos, as ferramentas digitais com a telemedicina, tornaram-se alternativas de cuidados, com soluções sendo rapidamente adotadas para assegurar o atendimento remoto, resultando em práticas exitosas, muitas delas já publicadas na literatura9.

Tipos de telemedicina

A telemedicina é categorizada didaticamente em: remota, interativa em tempo real, armazenamento e envio de dados, por mídias sociais e gamificação por meio de realidade virtual. As principais categorias da telemedicina11 podem ser didaticamente agrupadas em:

  • Monitorização remota: é a comunicação assíncrona com aparelhos (glicosímetros, medidores de pressão arterial e aplicativos) capazes de transmitir os resultados do paciente para os profissionais.
  • Interativa em tempo real: é a comunicação síncrona (vídeo ou teleconsultas) usando plataformas especiais ou dispositivos multimídia. Nos estudos, são comparadas ao cuidado presencial, com ou sem intervenção.
  • Telemedicina de armazenamento e envio de dados: qualquer sistema de armazenamento e envio de informações que permita transmissão eletrônica segura de dados do paciente para ou entre profissionais de saúde.
  • Telemedicina por mídias sociais e gamificação por realidade virtual: conteúdos disponibilizados em websites ou aplicativos com uso de mecânicas e características de jogos com o objetivo de engajar, motivar comportamentos e facilitar o aprendizado sobre saúde de pessoas em situações reais. 

Telemedicina e HbA1c

A telemedicina pode melhorar os resultados de HbA1c quando inclui envolvimento em tempo real com a equipe de atendimento, disponibilidade de consultas médicas remotas ao vivo para possíveis ajustes de medicação. O efeito sobre HbA1C é clinicamente relevante e  comparável a melhorias associadas a alguns agentes antidiabéticos orais (0,5% -1,25%), intervenções psicossociais (0,6%, IC 95% -1,2% a -0,1%) ou estratégias de melhoria de qualidade de vida (0,42%, IC 95% 0,29% a 0,54%) nos pacientes com diabetes.12,13

Telemedicina e hipoglicemia

Não foram encontradas boas evidências de que a telemedicina reduza o risco de hipoglicemia, qualidade de vida ou mortalidade, embora seja improvável que benefícios para mortalidade possam ser considerados, dada a curta duração dos ensaios incluídos.12 As intervenções de telemedicina parecem ter maior eficácia para ajudar os pacientes no autocuidado quando usam um formato mais interativo, como um portal da Web ou mensagens de texto.12

R1 – O uso das mídias sociais é benéfico e DEVE SER CONSIDERADO para a pessoa com diabetes, especialmente quando utilizado como ferramenta ou recurso para aprimorar as vias tradicionais de intervenção.

Classe IIaNível C

Sumário de evidências:

  • Comparado com aqueles que não usaram aplicativos para diabetes, aqueles que usaram tiveram escores de autocuidado significativamente mais altos (questionário Summary of Diabetes Self-Care Activities), independentemente de váriáveis como idade, sexo e nível educadional. Os resultados sinalizam para o potencial dos aplicativos em melhorar o autogerenciamento do diabetes e ajudar a adoção de um estilo de vida mais saudável.14
  • Análise de 20 trabalhos de média e alta qualidade mostrou resultados heterogêneos, com efeitos verificáveis somente na redução da hemoglobina glicada. Por outro lado, não foi encontrado nenhum estudo que sugerisse a piora do controle do diabetes devido à intervenção digital. Assim os autores concluíram que o uso das mídias sociais é benéfico para a pessoa com diabetes, especialmente quando utilizado como ferramenta ou recurso para aprimorar as vias tradicionais de intervenção.15

Nota importante

  • O acesso à saúde nas comunidades rurais e o contexto econômico e político pode afetar a adoção e difusão de soluções de telemonitoramento.
  • Estudo de 12 serviços de diabetes franceses com objetivo de compreender, na perspectiva dos pacientes e profissionais de saúde, o que impulsiona a adoção e difusão de uma solução de telemonitoramento (myDiabby) em um contexto onde as atividades de telemonitoramento ainda não são consideradas como os acompanhamentos tradicionais, concluiu que os seguintes fatores: compatibilidade, facilidade de uso, testabilidade e fatores ambientais (a situação demográfica dos profissionais de saúde, o acesso à saúde nas comunidades rurais e o contexto econômico e político) podem influenciar a disseminação e adoção de sistemas de telemonitoramento.16,17
  • A falta de compreensão, adaptabilidade às tecnologias, suas limitações e ajustes, afetam negativamente o uso sustentado da intervenção digital.

Barreiras para o uso telemedicina pelo paciente.

A falta de treinamento, baixa motivação do paciente, a falta de confiança, a preferência por intervenções face a face, baixa tolerância do paciente com sistemas defeituosos e problemas técnicos afetaram negativamente a captação e o uso sustentado do monitoramento remoto domiciliar. Uma avaliação focada nas experiências de jovens com doenças crônicas não transmissíveis refere que a falta de colaboração entre implementadores e usuários finais, bem como a incapacidade de se adaptar e adaptar a tecnologia para atender às necessidades e preferências centradas na pessoa, são barreiras para o uso mais amplo de intervenções de monitoramento remoto baseadas em aplicativos móveis.

Barreiras à implementação para usuários e profissionais de saúde

Interfaces mal projetadas, entrada manual de dados, transmissão com feedback atrasado, limitações de escalabilidade e analfabetismo tecnológico. Esses fatores contribuíram para o viés de memória ou erro humano que impediu o envolvimento do paciente, resultando em grandes taxas de abandono. Para os profissionais da saúde, a ausência ou inadequação de legislação e políticas de cobertura de responsabilidades, incompatibilidade com as práticas de trabalho clínico diário (levando a interrupções no fluxo de trabalho e na prestação de cuidados), a falta de planejamento estratégico, incluindo custos (iniciais e de manutenção) dificultam a organização e implementação dos serviços de saúde digitais.

Riscos associados ao uso da telemedicina.

Os riscos para a segurança do paciente eram principalmente atribuíveis: à falta de conhecimento e compreensão do paciente e / ou da equipe, questões tecnológicas e dependência ou ansiedade do paciente. Em menor grau, problemas com tecnologia e dispositivos de telemedicina, questões organizacionais e fatores ambientais também podem contribuir para os riscos à segurança do paciente.

Custo-efetividade da telemedicina

A evidência atual sobre custo-efetividade é limitada. Novas políticas em saúde são necessárias para regulamentar e garantir que as intervenções de telemedicina sejam fáceis de usar, clinicamente benéficas e possam ser integradas aos sistemas de saúde existentes.

  • Os modelos de reembolso de assistência médica podem necessitar de adaptação, reconhecendo que a telemedicina pode dispender tanto tempo quanto o atendimento presencial.11
  • Os custos de configuração inicial podem ser uma barreira importante para a adoção da telemedicina, embora provavelmente sejam compensados ​​a médio e longo prazo. Todos esses fatores são importantes e as intervenções de telemedicina devem fornecer cuidados de alta qualidade e custo-benefício centrados na pessoa.11
  • Embora haja evidências de que a telemedicina pode ser econômica, a generalização é prejudicada por relatórios padronizados e de baixa qualidade.11,18
  • Estudos incluem evidências limitadas sobre quais componentes da telemedicina são mais eficazes para quais populações de pacientes.18

Referências


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Cite este artigo

Laerte Damaceno, Fernando Valente, Glaucia Duarte e Sonia de Castilho. Ferramentas Digitais em Diabetes: O papel da Telemedicina. Diretriz Oficial da Sociedade Brasileira de Diabetes (2023). DOI: 10.29327/5238993.2023-9, ISBN: 978-85-5722-906-8.