Transtornos alimentares na pessoa com diabetes

Autores: Claudia Mauricio Pieper e Tarcila Beatriz Ferraz de Campos
Editor Chefe: Marcello Bertoluci
Ultima revisão em: 20/04/2023
DOI: 10.29327/557753.2022-24 | Cite este Artigo

Introdução       

Transtornos alimentares (TA) caracterizam-se por alterações severas no hábito ou no comportamento alimentar que ocorrem em razão de um distúrbio psíquico ou metabólico, e  encontram-se descritos no DSM-V (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders)1 e no CID-10 (Classificação Internacional de Doenças).2 Os principais transtornos alimentares são a bulimia nervosa (BN), a anorexia nervosa (AN), o transtorno de compulsão alimentar (TCA) e o transtorno alimentar não-especificado (TANE).12

Prevalência e fatores predisponentes

Entre os fatores predisponentes para o desenvolvimento de distúrbios alimentares, tem sido descrito a influência de fatores psicológicos, biológicos, socioculturais, familiares e genéticos.34 A natureza crônica do diabetes também é apontada como um dos fatores predisponentes para o desenvolvimento de distúrbios alimentares, especialmente na adolescência. Pensamentos obsessivos sobre comida, somados à insatisfação com a imagem corporal e à crença de que o diabetes seja um desafio diário para o seu autocontrole, também contribuem para o aparecimento de transtornos alimentares.5                                                                                              

  A prevalência de diabetes mellitus tipo 1 (DM1) em meninas adolescentes e jovens adultas com transtornos alimentares atinge cerca de 7% a 11%.57 Nas pessoas com DM2, a prevalência varia entre 6,5% e 9%. Enquanto a bulimia nervosa e os TANEs com variedade “compulsiva purgativa” são mais prevalentes em pacientes com DM1, os TCAs são mais prevalentes no DM2.8 Adolescentes com DM1 de ambos os sexos apresentam mais sintomas e comportamentos bulímicos, quando comparados a pessoas sem diabetes.67 Índice de massa corporal (IMC) elevado e um mau controle glicêmico têm sido apontados como fatores associados à ocorrência de transtornos alimentares, em especial no DM2.89 Comorbidades psiquiátricas, como depressão, ansiedade e distúrbios de personalidade, podem estar presentes, agravando o quadro clínico, sobretudo em paciente com diabetes.10               

As consequências dos transtornos alimentares são severas, podendo levar inclusive ao óbito. No caso do diabetes, os TAs podem ser a causa do mau controle glicêmico e do surgimento precoce de complicações crônicas.1113  O Diabetes Control and Complications Trial (DCCT)14 mostrou que o controle glicêmico nos adolescentes com DM1 tende a ser pior. Fatores relativos à própria puberdade, fatores familiares e psicossociais estão envolvidos. Na presença de transtornos alimentares são observados níveis mais altos de hemoglobina glicada (HbA1c), atraso de crescimento estatural, atraso do desenvolvimento puberal, cetoacidoses recurrentes e maior prevalência de complicações crônicas microvasculares.11 Finalmente, a duração da omissão de insulina está significativamente associada ao aparecimento de retinopatia e nefropatia diabética em jovens com DM1.1112

Tipos de transtornos alimentares mais comuns

Anorexia nervosa (AN)

A AN é representada por uma distorção da imagem corporal em que ocorre medo mórbido de engordar e, na maioria das vezes, restrição e/ou seleção de alimentos. Modificações no comportamento alimentar, como a realização constante de diferentes tipos de dieta com o objetivo de perder peso, podem ser fatores predisponentes para a AN.

O quadro clínico caracteriza-se por perda de peso importante, geralmente maior do que 15% do peso ideal, com um índice de massa corporal (IMC) menor ou igual a 17,5 kg/m². No DSM-V foi incluída uma classificação de gravidade baseada no IMC (ou percentil do IMC em crianças e adolescentes): leve (> 17 kg/m²), moderada (16 kg/m² a 16,99 kg/m²), grave (15 a 15,99 kg/m²) ou extrema (< 15 kg/m²).1

De acordo com os critérios descritos no DSM-V, no sexo feminino, não é mais necessário para o diagnóstico, a presença de amenorreia.1 No sexo masculino, observa-se frequentemente um distúrbio conhecido com o nome de dismorfia muscular ou vigorexia. Jovens com este distúrbio, por causa de percepção distorcida da imagem corporal, praticam exercícios físicos de forma exagerada, com o objetivo de obter definição e/ou aumento da massa muscular. 1 

No paciente com DM1 e anorexia nervosa, a alimentação irregular ou períodos de jejum podem levar a quadros frequentes e graves de hipoglicemia. A prática exagerada de exercícios físicos também pode causar episódios hipoglicêmicos, devendo ser observado a duração da atividade, já que a hipoglicemia pode ser tardia (4 horas a 5 horas após, ou até mais tardiamente). 

Quando a anorexia é do tipo “purgativo”, são realizadas formas de compensação, como vômitos, uso de laxantes e diuréticos e, mais frequentemente, manipulação da dose de insulina, podendo causar cetoacidose diabética.1213 Quando os níveis de glicemia estão elevados de forma crônica também podem ocorrer períodos de amenorreia ou de alteração da menstruação.

Bulimia nervosa (BN)

A BN é o transtorno alimentar mais frequente em jovens com DM1, podendo ocorrer em cerca de 30% das meninas (1% na faixa etária de 9 aos 13 anos, 14% na faixa de 12 aos 18 anos e 34% na faixa de 16 aos 22 anos.57

Na BN ocorre uma tentativa de compensação após a ingestão alimentar, sendo dividida em dois tipos: purgativa e não purgativa. No DM1, a BN purgativa caracteriza-se pela alteração deliberada da dose de insulina, diminuindo a dose ou deixando de usá-la com o objetivo de perder peso corporal.1 É também conhecida com o nome de “diabulimia”. Os estudos que avaliaram a prevalência de omissão/restrição da dose de insulina em pessoas com DM1 mostraram índices que variaram de 4,1% a 58%. 1516 A BN purgativa pode ocorrer também de forma concomitante com a prática de vômitos, uso de laxantes, enemas e/ou diuréticos.1                                                  

A forma não purgativa caracteriza-se pela prática de atividade física excessiva, visando também a perda de peso. Geralmente o paciente se apresenta com IMC normal ou até mesmo com sobrepeso. Pacientes com diabetes e bulimia apresentam frequência maior de internações em razão de complicações agudas, como episódios recorrentes de cetoacidose diabética e hipoglicemias graves e também de complicações crônicas, como a retinopatia e a nefropatia.1113

Transtorno de compulsão alimentar (TCA)

O TCA foi incluído no DSM-V como categoria própria de transtorno alimentar.1 É definido pela presença de episódios recorrentes de comer mais alimentos em um período de tempo mais curto do que a maioria das pessoas consumiria nas mesmas circunstâncias. Os episódios são marcados por sentimento de falta de controle e ocorrem em média, uma vez por semana em, pelo menos, três meses. A pessoa com TCA pode comer muito rapidamente, mesmo quando não está com fome. Apresenta geralmente sentimento de culpa, vergonha ou angústia, podendo comer sozinho para ocultar o comportamento.1  É mais comum em pessoas com DM2, sendo que pode estar associado a um quadro de sobrepeso ou obesidade ou mesmo precedê-lo.8

O TCA tem sido relatado em 1/3 dos indivíduos que estão em tratamento para o controle de peso. A prevalência nas pessoas com diabetes estudada em vários grupos é variável:  30 a 59,4%.89 Isto dificulta o controle do diabetes e a perda de peso, promovendo de forma mais precoce o aparecimento de complicações agudas e crônicas. As principais características dos transtornos alimentares estão descritas na tabela 1.

Tabela 1. Características clínicas dos principais transtornos alimentares e seus critérios diagnósticos.

Condição Critérios diagnósticos e características clínicas Características presentes no diabetes mellitus
Anorexia
Nervosa
  • Distorção da imagem corporal
  • Medo mórbido de engordar
  • Seleção alimentar
  • Múltiplas dietas para perder peso
  • Perda de >15% do peso ideal com IMC<17,5kg/m2
  • Alteração do ciclo menstrual (mulheres)
  • Dismorfia muscular (homens e mulheres)
Classificação de gravidade baseada no IMC atual (ou percentil do IMC em crianças e adolescentes): Leve >17 Kg/m2; Moderada 16-16,99 kg/m2 Grave: 15-15,99 kg/m2 Extrema <15kg/ m2
  • Raro.
  • Maior mortalidade no DM1.
  • Hipoglicemias graves.
  • Difícil diagnóstico durante descompensação metabólica crônica com perda de peso
  • Retardo de crescimento puberal e alterações hormonais.
  • Pele e fâneros secos e hipercarotenemia,
  • Osteopenia
Bulimia
Nervosa
  • Episódios recorrentes de compulsão alimentar seguidos de comportamentos compensatórios inapropriados (vômitos autoinduzidos, uso de laxantes e enemas, diuréticos ou outros medicamentos, ou ainda, exercícios físicos em excesso), para impedir o ganho de peso.
  • A autoavaliação é influenciada pelo peso e forma corporal.
  • Compulsão alimentar e comportamentos compensatórios, pelo menos 1 vez por semana, durante 3 meses.
  • Leve: 1 a 3 episódios; Moderada: 4 a 7 episódios; Grave: 8 a 13 episódios; Extrema: 14 ou mais.
  • Pode passar desapercebido pelos familiares
  • e equipe de saúde.
  • Episódios repetidos de cetoacidose ou hipoglicemias.
  • internações de repetição.
  • HbA1c sempre elevadas sem explicação.
  • Troca frequente de planos alimentares.
  • Recusa à monitorização das glicemias capilares.
Transtorno
de Compulsão
Alimentar
  • Ingestão de quantidades de alimento muito maiores do que a maioria dos indivíduos consumiria sob circunstâncias semelhantes, em um período determinado,
  • Os episódios de compulsão alimentar devem estar associados a pelo menos três desses fatores:
  1. comer mais rapidamente do que o normal;
  2. comer até sentir-se desconfortavelmente cheio;
  3. comer grandes quantidades de alimento mesmo sema a sensação de fome;
  4. sentir-se envergonhado, culpado ou deprimido após comer;
  5. comer sozinho por vergonha da quantidade que está comendo.
  • É necessário que esses episódios ocorram em média, pelo menos uma vez por semana durante 3 meses.
  • Classificação de acordo com a frequência dos episódios: Leve – 1 a 3; Moderada – 4 a 7; Grave -8 a 13 ou Extrema – 14 ou mais sem a associação com comportamentos compensatórios.
  • Mais frequente no diabetes tipo 2.
  • Geralmente precede o diagnóstico.
  • Episódios de compulsão promovem sobrepeso, obesidade e hiperglicemia.
  • Hiperglicemia de difícil controle promovida pela frequência dos episódios de compulsão alimentar.

Quando suspeitar de transtornos alimentares em pessoas com diabetes: 

O profissional de saúde que atende pessoas com diabetes deve estar atento a sinais e sintomas de alerta que podem estar presentes e ajudar no diagnóstico de transtorno alimentar, como mostrado no Quadro 21617

Quadro 1. Sinais de alerta para transtornos alimentares em pessoas com DM.

Nota importante 1: Fatores que agravam os  transtornos alimentares: Insulinoterapia

  • Ganho de peso e insatisfação com o corpo podem estar associados à insulinoterapia no momento do diagnóstico. Durante períodos de mau controle metabólico, geralmente há perda de peso, que, para algumas meninas no período pré-puberal ou puberal, pode ser plenamente desejável. A introdução de insulina ou a melhora do controle glicêmico pode levar ao ganho de peso, afetando de forma negativa a percepção corporal da adolescente. 

Nota importante 2: Fatores que agravam os  transtornos alimentares: Manejo nutricional

  • Dietas mais tradicionais para o controle do diabetes baseadas em porções e quantidades restritas de alimentos, assim como dietas mais flexíveis como a contagem de carboidratos, frequentemente são percebidas como uma forma de restrição.17,-18   

Nota importante 3: Fatores que agravam os transtornos alimentares: Automonitoramento

  • Necessidade de monitorização constante dos níveis de glicose pode gerar ansiedade e ao mesmo tempo frustração, podendo levar a à diminuição com o autocuidado.

Tratamento

Quanto mais precocemente o transtorno alimentar for diagnosticado e tratado, melhor o prognóstico. Deve-se determinar, no momento do diagnóstico, se existe risco de vida ou necessidade de hospitalização. O tratamento deve ser feito sempre com equipe multiprofissional capacitada. Além disso, há necessidade de tratamento psicoterápico individual visando trabalhar aspectos da aceitação do diabetes, da autoestima e imagem corporal. É fundamental  estabelecer um apoio psicológico da família.1920 A indicação de medicamentos geralmente é necessária na presença de comorbidades, como depressão e ansiedade associadas ao quadro de transtorno alimentar, sempre considerando possíveis efeitos colaterais e contraindicações no diabetes mellitus.3031

Com relação ao uso de medicamentos, a indicação poderia ser necessária na presença de comorbidades como depressão e ansiedade associados ao quadro de transtorno alimentar, sempre levando em conta possíveis efeitos colaterais e contraindicações no diabetes mellitus. 3031           

Com relação ao tratamento farmacológico do Transtorno da Compulsão Alimentar (TCA) o único medicamento atualmente aprovado pela Food and Drug Administration é a lisdexanfetamina. Este medicamento é um dos pilares do tratamento para transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), mas como um dos seus efeitos, promove também uma diminuição do apetite. Embora  não tenha contra-indicações específicas para uso em pacientes com DM2, tem contraindicações cardiovasculares conhecidas e deve ser usado com cautela em pacientes com hipertensão arterial. Como a doença cardiovascular e a hipertensão podem ser comorbidades no DM2, isso limita ainda mais as possíveis opções de tratamento. 36

 Recomendações

R1. É RECOMENDADO identificar possíveis sinais de alerta de transtornos alimentares em todos os adolescentes e jovens com diabetes mellitus tipo 1 em razão da alta prevalência nesta população.

Classe I Nível B

Sumário de evidências:

  • Os transtornos alimentares e suas variantes subclínicas são aproximadamente duas vezes e meia mais comuns em adolescentes do sexo feminino com DM1 do que em seus pares sem diabetes.57   
  • Trabalhos avaliados sustentam que transtornos alimentares são prevalentes em adolescentes e jovens adultas com DM1, com implicações clínicas no curto e no longo prazo.67                                              
  • É importante a investigação de transtornos alimentares nesta faixa etária pelos profissionais de saúde que acompanham e participam do tratamento, devendo envolver também os familiares, que precisam estar atentos a mudanças no comportamento de seus filhos em relação ao uso de insulina, monitorização da glicemia e mudança de hábitos alimentares. 5,17,19
  • O transtorno alimentar mais prevalente entre pessoas com diabetes é a omissão da dose de insulina para controle de peso, relatado em 2% das meninas pré-adolescentes5 e em 11% a 15% das meninas adolescentes.7 
  • Em uma análise populacional envolvendo 770 indivíduos na faixa etária de 11 anos a 19 anos, 31,6% dos participantes relataram restrição de insulina e 6,9% relataram omissão de insulina após comer em excesso.32

Nota importante 4: Uso de escores diagnósticos

  • Ferramentas específicas como o DEPS-R para o rastreamento de transtornos alimentares em pessoas com DM1 ainda não têm validação na língua portuguesa.35

R2. É RECOMENDADA a realização de diagnóstico e tratamento dos transtornos alimentares associados ao diabetes pela equipe de saúde multidisciplinar capacitada, composta por psiquiatra, psicólogo, endocrinologista, diabetologista e nutricionista.

Classe I Nível C

Sumário de evidências:

  • Considera-se fundamental que todos os componentes da equipe multidisciplinar (psiquiatra, endocrinologista, psicólogo, nutricionista, dentista, enfermeiro) que atendem pessoas com diabetes estejam atentas e aptas para a suspeita da presença de transtorno alimentar.2426 
  • A maioria dos estudos e diretrizes recomenda a terapia cognitivo-comportamental como sendo o tratamento de primeira linha para o tratamento dos transtornos alimentares em geral, incluindo a bulimia e a anorexia nervosa. Essas formas de tratamento devem ser realizadas por profissionais especializados com experiência na área de transtornos alimentares 21,2831 

R3. É RECOMENDADO avaliar a presença de complicações crônicas microvasculares em adolescentes e jovens com DM1 com menos de cinco anos do diagnóstico que apresentem transtornos alimentares associados à omissão ou restrição da insulina com a intenção de perder peso.

Classe I Nível C

Sumário de evidências:

  • A omissão ou a restrição deliberada de insulina como forma de controlar o peso, induzindo hiperglicemia e glicosúria e o tempo de duração da omissão, demonstrou estar associada a controle glicêmico insatisfatório, a níveis elevados de hemoglobina glicada (A1c) e ao aparecimento mais precoce de complicações crônicas relacionadas ao diabetes, como retinopatia, nefropatia e neuropatia. 1113, 1518       
  • Um estudo observacional realizado com 91 mulheres jovens (entre 12 anos e 18 anos) com DM1 determinou a prevalência e persistência de transtornos alimentares através de autorrelatos de alimentação, incluindo omissão ou diminuição intencional de insulina para o controle de peso. A idade média das participantes era 15 ± 2 anos e a duração do DM1 7 ± 4 anos. No início do estudo 26 das 91 jovens (29%) tinham transtornos alimentares. Destas, o transtorno persistiu em 18% e melhorou em 11% após quatro a cinco anos de seguimento. Das 65 mulheres com comportamento alimentar normal no início do estudo, 15% desenvolveram transtornos alimentares no mesmo período. A omissão ou diminuição da dose de insulina para perder peso foi relatada em 14% das participantes no início do estudo e em 30% após o segmento (p=0,003). O HbA1c foi maior no grupo com transtornos alimentares mais graves (11.1 ± 1,2%) do que no grupo com transtornos alimentares moderados (8,9 ± 1,7%) e no grupo sem transtorno alimentar (8,7 ± 1,6 p<0,001). Transtornos alimentares ocorrendo no início do estudo foram associados à retinopatia 4 anos depois (p=0,004). 11
  • É fundamental que os profissionais de saúde envolvidos no acompanhamento e tratamento de pessoas com diabetes estejam cientes da associação frequente de complicações microvasculares com transtornos alimentares. A prevenção com identificação precoce e estratégias de rastreamento é muito importante para ajudar a reduzir o risco de complicações microvasculares do diabetes neste grupo. 1113,15,24

R4. Na abordagem de pessoas com DM1 e transtornos alimentares, É RECOMENDADO a supervisão por familiares, cuidadores e profissionais de saúde, para evitar a omissão e o manejo inapropriado da insulinoterapia.

Classe I Nível C

Sumário de evidências:

  • Considera-se, com base em opinião de experts, que, na avaliação multidisciplinar do DM1 com transtornos alimentares, deva ser abordado: 1) o potencial para omissão de doses de insulina em uso; 2) o controle metabólico; 3) a necessidade energética nutricional; 4) a imagem corporal; 5) o funcionamento familiar; 6) o tipo e frequência de exercícios; 7) a compulsão alimentar; 8) aspectos relacionados à purgação, incluindo uso abusivo de laxantes; e 8) os padrões de sono. 
  • Meta de peso deve ser estabelecida pela equipe responsável pelos cuidados às pessoas com DM. 
  • A equipe de saúde não deve apoiar ajustes de insulina para justificar comportamentos de compulsão alimentar ou restrições alimentares patológicas.
  • A supervisão na administração de insulina por familiares é importante no tratamento dos distúrbios alimentares em pessoas com DM.

R5. É RECOMENDADO atenção especial da equipe multidisciplinar ao maior risco de episódios de hipoglicemia e de cetoacidose em pessoas com DM1 e transtornos alimentares.

Classe I Nível C

Sumário de evidências:

  • Indivíduos com transtornos alimentares frequentemente não reconhecem ou admitem que estão doentes, sendo mais difícil de ser percebido pelo paciente e pela própria família quando o diabetes também está presente.
  • O risco de hipoglicemia e cetoacidose diabética recorrente é aumentado, assim como é maior a dificuldade para se conseguir controle metabólico adequado. O surgimento de complicações crônicas também é mais precoce, especialmente a retinopatia, a nefropatia e a neuropatia diabética.12,1517, 26

R6.  Em pessoas com diabetes e transtornos alimentares, É RECOMENDADO orientar um planejamento alimentar e psicoeducação, alertando quanto aos riscos de hipoglicemia e cetoacidose.

Classe I Nível C

Sumário de evidências:

  • O planejamento alimentar é uma ferramenta fundamental no tratamento dos transtornos alimentares em pacientes com diabetes, fornecendo orientação prática para o paciente e seus cuidadores. Planos alimentares eficazes possuem três objetivos: atender às necessidades de energia e nutrientes; proporcionar abordagem organizada para o consumo de alimentos; e dessensibilizar alimentos temidos, excessivos ou purgados. A orientação do plano alimentar para o tratamento é uma intervenção comportamental indispensável.
  • Na anorexia nervosa, a terapia envolve três fases principais: 1) restituição do peso perdido, utilizando-se, quando necessário, suplementos alimentares e reposição vitamínica;21 2) tratamento de distúrbios psicológicos, como distorção da imagem corporal, baixa autoestima e manejo dos conflitos interpessoais. Orientação deve ser dada ao paciente e à família quanto à necessidade de reduzir ou parar a atividade física.20

Nota importante 5: Plano alimentar Recomendado21

  • Deve ser individualizado, com mudanças graduais em relação à ingestão alimentar atual do indivíduo
  • Deve ser focado em atender às necessidades de energia (macronutrientes e micronutrientes)
  • Deve ser organizado em refeições como café da manhã, almoço, jantar e pequenos lanches
  • Deve ser flexível 
  • Deve estabelecer maior variedade de alimentos selecionados

Nota importante 6:  Princípios alimentares intuitivos

  • As evidências são limitadas sobre a eficácia do ensino de princípios alimentares intuitivos para pacientes com transtornos alimentares.22
  • Estudo piloto de dois anos avaliou a eficácia de um programa alimentar intuitivo para pacientes em um centro de tratamento de transtornos alimentares.
  • O comer intuitivo reúne estratégias alimentares dirigidas internamente, reconhecendo e respondendo aos sinais de fome e saciedade, e atenção para experimentar o ato de comer.
  • Pacientes podem desenvolver habilidades de alimentação intuitiva.22

Tabela de Recomendações

RECOMENDAÇÃO CLASSE NÍVEL
R1. É RECOMENDADO identificar possíveis sinais de alerta de transtornos alimentares em todos os adolescentes e jovens com diabetes mellitus tipo 1 (DM1), em razão da alta prevalência nesta população. I B
R2. É RECOMENDADA a realização de diagnóstico e tratamento dos transtornos alimentares associados ao diabetes por uma equipe de saúde multidisciplinar capacitada, composta por psiquiatra, psicólogo, endocrinologista, diabetologista/e nutricionista. I C
R3. É RECOMENDADO avaliar a presença de complicações crônicas microvasculares em adolescentes e jovens com DM1 com menos de 5 anos do diagnóstico que apresentem transtornos alimentares associados à omissão ou restrição da insulina com a intenção de perder peso. I C
R4. Na abordagem de pessoas com DM1 e transtornos alimentares, É RECOMENDADA a supervisão por familiares, cuidadores e profissionais de saúde, para evitar omissão e manejo inapropriado da insulinoterapia. I C
R5. É RECOMENDADO atenção especial da equipe multidisciplinar ao maior risco de episódios de hipoglicemia e de cetoacidose em pessoas com DM1 e transtornos alimentares. I C
R6. Em pessoas com diabetes e transtornos alimentares É RECOMENDADO orientar um planejamento alimentar alertando quanto aos riscos de hipoglicemia e cetoacidose. I C

Referências

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Cite este artigo

Pieper C, Campos T, Bertoluci M. Transtornos alimentares na pessoa com diabetes. Diretriz Oficial da Sociedade Brasileira de Diabetes (2023). DOI: 10.29327/557753.2022-14, ISBN: 978-85-5722-906-8.