Rastreamento de comorbidades autoimunes no DM1

Autores: Marcia Puñales, Susana Viegas Chen, Rafael Machado Mantovani, Monica Gabbay
Editor de Seção: Rodrigo Lamounier
Editor Chefe: Marcello Bertoluci
Ultima revisão em: 13/04/2023
DOI: 10.29327/557753.2022-7 | Cite este Artigo

Introdução


Indivíduos com DM1 apresentam maior risco de comorbidades autoimunes, quando comparados à população geral. Cerca de 20% a 25% das pessoas com DM1 são diagnosticadas com outra doença autoimune, mais frequentemente doença tireoidiana.14 E é fundamental rastrear e tratar precocemente doenças autoimunes associadas ao DM1.   

Recomendações

R1 –  A avaliação da função tireoidiana com dosagem de TSH e anticorpos antitireoideanos É RECOMENDADA no diagnóstico do DM1 e, posteriormente, a cada período de um ano a dois anos ou quando houver quadro clínico sugestivo de hipo ou hipertiroidismo.

Classe INível B

Sumário de evidências:

  • As crianças com DM1 apresentam maior risco de desenvolver doenças autoimunes associadas, principalmente a tireoidite de Hashimoto, cuja prevalência aumenta no período puberal.12 
  • Em estudo com 17.749 crianças e adolescentes com diabetes tipo 1, com idade entre um mês e 20 anos, foi realizado em 7.709 delas, rastreamento para hipotireoidismo e tireoidite de Hashimoto. A prevalência de anticorpos (antitireoglobulina e antitireoperoxidase) encontrada foi de 21,6%, sendo o anticorpo antitireoperoxidase o mais prevalente em quase todas as faixas etárias.3 ) No Brasil, uma coorte histórica envolvendo 474 pacientes pediátricos com DM1 revelou prevalência de disfunção tireoidiana em 17,6% dos pacientes, especialmente em meninas adolescentes.4 O hipotireoidismo ocorre em 4% a 15% das crianças e adolescentes com DM1, enquanto o hipertireoidismo ocorre em 0,5% a 6%  do mesmo grupo.1 
  • A avaliação da função tireoidiana deve ser feita com a dosagem de TSH e do anticorpo antiperoxidase quando do diagnóstico e posteriormente a cada período de um ano a dois anos ou quando houver sintomatologia clínica ou diminuição da velocidade de crescimento.2

R2 –   Em crianças, o rastreamento de doença celíaca é RECOMENDADO quando do diagnóstico do DM1 e no segundo e quinto anos, quando houver sintomas gastrointestinais ou baixa estatura com diminuição da velocidade de crescimento.

Classe INível B

Sumário de evidências:

  • A prevalência da doença celíaca na população sem diabetes é de 0,15% a 2,6%. No entanto, em pessoas com DM1, o percentual é de 2,4% a 16,4%, com prevalência global de 6,2%.57 Em estudo publicado em 2017, comparando a prevalência de doença celíaca confirmada por biópsia duodenal em 52.721 crianças e adolescentes com DM1 em três continentes, a prevalência encontrada foi de 3,5%.7
  • No Brasil, a prevalência de doença celíaca confirmada pela biópsia intestinal em DM1, crianças, adolescentes e adultos jovens varia de 2,5% a 5,6%. Essa variação é explicada pelo método diagnóstico utilizado (presença de anticorpos ou biópsia duodenal).  A doença celíaca pode apresentar-se na forma assintomática ou oligossintomática, ou apresentar manifestações gastrointestinais inespecíficas, baixo ganho de peso/perda de peso, hipoglicemias inexplicáveis e controle metabólico ruim. A forma clássica é mais prevalente em pessoas com DM1, e a anamnese gastrointestinal detalhada identifica mais de 50% dos casos. As manifestações clínicas gastrointestinais são mais prevalentes em crianças com até três anos de idade, e as extraintestinais, em crianças maiores.
  • Todas as crianças e adolescentes devem ser rastreados ao diagnóstico e a cada dois anos (até o quinto ano de diabetes), ou na presença de sinais e sintomas gastrointestinais ou extraintestinais, baixo ganho de peso, perda de peso, hipoglicemias inexplicáveis e controle metabólico ruim.7  O rastreamento da doença celíaca é baseado na detecção de anticorpos IgA (transglutaminase tecidual ou endomísio) em pessoas sem deficiência de IgA. Se a titulação do anticorpo antitransglutaminase IgA for duas vezes a três vezes o valor de referência do método utilizado, recomenda-se realizar a biópsia intestinal. No entanto, com titulações > 10 vezes o valor de referência, em pessoas sintomáticas e que apresentem o HLA de risco, a biópsia pode não ser necessária. 

R3 – Em adultos com DM1, a investigação de doença celíaca É RECOMENDADA na presença de manifestações gastrointestinais, perda de peso, controle metabólico ruim ou hipoglicemias inexplicáveis.

Classe INível B

Sumário de evidências:

  • O benefício do rastreamento em pessoas  assintomáticas não está estabelecido.  Os dados são insuficientes para recomendar rastreamento de rotina em familiares de primeiro grau assintomáticos de pacientes com doença celíaca confirmada.11
  • A testagem sorológica para doença celíaca em adultos com DM1 é recomendada nos seguintes casos:12:
    • Se sintomas sugestivos: Diarréia recorrente, constipação, má absorção, perda inexplicada de peso, dor abdominal, distensão abdominal ou eructações, sintomas de síndrome do intestino irritável e intolerância à lactose,refratária, controle metabólico ruim ou hipoglicemias não explicáveis,
    • se sintomas extra-intestinais: anemia ferropriva, deficiência de folato ou vitamina B12, elevação persistente das enzimas hepáticas, dermatite herpetiforme, fadiga, cefaleias,  perdas fetais recorrentes, fertilidade reduzida, filhos com baixo peso ao nascer,estomatite aftosa persistente, hipoplasia de esmalte, doença metabólica óssea

R4 – O rastreamento de insuficiência adrenal autoimune e da gastrite autoimune associadas ao DM1 NÃO É RECOMENDADO rotineiramente, exceto quando houver suspeita clínica.

Classe IIINível C

Sumário de evidências:

  • Cerca de 80% dos casos de insuficiência adrenal primária (doença de Addison – DA) são autoimunes. Trata-se de uma doença rara, com taxa de incidência de 90 a 140 pessoas por milhão. Mais da metade dos pacientes com doença de Addison apresentam outras doenças autoimunes, a exemplo dos componentes de síndromes autoimunes poliglandulares (SAP). A presença de anticorpos contra o córtex adrenal (ACA) é característica da insuficiência adrenal autoimune e ocorre em 1% a 2% dos adultos com DM1. Por sua vez, a incidência de DM1 em pacientes com DA é de 10% a 18%. Mais frequentemente, o DM1 pode desenvolver-se em pessoas com SAP-1 e SAP-2.
  • A doença de Addison deve ser suspeitada no caso de sintomas clínicos típicos como fadiga, perda de peso, diminuição do apetite, náuseas, desejo de consumir alimentos salgados e hiperpigmentação da pele e mucosas, além da ocorrência de episódios hipoglicêmicos inexplicáveis e redução da demanda de insulina.8
  • A gastrite autoimune está presente em cerca de 2% da população geral. Em pessoas com DM1, a prevalência é três vezes a cinco vezes maior, principalmente de anticorpos anti células parietais em crianças com DM1, variando de 5,3% a 7,5%.9 Sugere-se investigar a  presença de autoanticorpos de células parietais nas pessoas com DM1 em casos de anemia obscura (microcítica e macrocítica) ou de sintomas gastrointestinais, mas o rastreamento de rotina não é recomendado. 
  • Apesar de não haver consenso, sugere-se realizar gastroscopia com biópsia  se forem detectados autoanticorpos para a célula parietal, anemia por deficiência de ferro ou vitamina B12 ou níveis elevados de gastrina.10 .

Resumo das recomendações

RECOMENDAÇÕES CLASSE NÍVEL
R1 – A avaliação da função tireoidiana com dosagem de TSH e anticorpos antitireoidianos está RECOMENDADA no momento do diagnóstico do DM1 e, posteriormente, a cada período de um ano a dois anos ou quando houver quadro clínico sugestivo de hipotireoidismo. I B
R2 – Em crianças, o rastreamento de doença celíaca é RECOMENDADO quando do diagnóstico do DM1 e no segundo e no quinto ano, quando houver sintomas gastrointestinais ou quando houver baixa estatura com diminuição da velocidade de crescimento. I B
R3 – Em adultos com DM1, a investigação de doença celíaca DEVE SER CONSIDERADA na presença de manifestações gastrointestinais, perda de peso, controle metabólico ruim ou hipoglicemias inexplicáveis. I B
R4 – O rastreamento de insuficiência adrenal autoimune e de gastrite autoimune associadas ao DM1 NÃO É RECOMENDADO rotineiramente, exceto quando houver suspeita clínica. III C

Referências


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Cite este artigo

Puñales M, Chen Susana, Mantovani R, Gabbay M, Lamounier R, Bertoluci M. Rastreamento de comorbidades autoimunes no DM1. Diretriz Oficial da Sociedade Brasileira de Diabetes (2023). DOI: 10.29327/557753.2022-7, ISBN: 978-85-5722-906-8.