Inteligência Artificial Revoluciona o Tratamento do Diabetes

Dr. Marcio Krakauer

Dr. Fernando Malerbi

No cenário médico contemporâneo, a Inteligência Artificial (IA) emerge como uma força transformadora, especialmente no tratamento do diabetes. Com a crescente prevalência em todo o mundo, as soluções baseadas em IA estão assumindo um papel cada vez mais proeminente, oferecendo esperança e eficácia no gerenciamento dessa condição complexa.

O diabetes, caracterizado por níveis elevados de glicose no sangue, requer um acompanhamento e tratamento meticulosos para evitar complicações graves. Tradicionalmente, o controle da glicemia exige monitoramento frequente e intervenções baseadas em protocolos médicos padrão. Graças aos avanços na IA, os médicos agora têm acesso a ferramentas poderosas que podem personalizar o tratamento para cada paciente, otimizando resultados e melhorando a qualidade de vida.

Uma das principais aplicações da IA no tratamento do diabetes é a análise preditiva. Algoritmos sofisticados podem processar grandes volumes de dados, incluindo históricos médicos, dados genéticos, hábitos de vida, microbiota intestinal e padrões de glicose, para prever flutuações nos níveis de açúcar no sangue antes mesmo de ocorrerem. Essa capacidade de previsão permite intervenções proativas, como ajustes na medicação ou no estilo de vida, para manter a glicemia dentro de níveis saudáveis e evitar crises.

A IA está revolucionando o monitoramento contínuo da glicose. Dispositivos conectados, como sensores contínuos de glicose e aplicativos móveis, permitem que os pacientes monitorem seus níveis de açúcar no sangue em tempo real. Esses dados são então alimentados em algoritmos de IA que analisam padrões e fornecem insights acionáveis, ajudando os pacientes a tomar decisões informadas sobre sua saúde. Atuando de forma integrada com sensores, algoritmos de IA também podem fornecer processos de tomada de decisão automatizada na aplicação de insulina. Esses sistemas tipicamente envolvem, além dos sensores, bombas de insulina ou canetas inteligentes integradas aos sensores.

Outra área em que a IA está fazendo incursões significativas é no desenvolvimento de terapias personalizadas (medicina de precisão). Por meio da análise de dados genéticos e biomarcadores, os sistemas de IA podem identificar subgrupos de pacientes com características específicas que respondem melhor a determinados tratamentos. Isso permite uma abordagem mais precisa e eficaz no gerenciamento do diabetes, minimizando efeitos colaterais e maximizando os resultados.

As novas ferramentas que empregam IA também contribuem de maneira importante para prevenir complicações potencialmente graves do diabetes: a detecção da retinopatia, que corresponde a uma grave doença ocular e que pode levar à perda da visão, já pode ser feita por sistemas automáticos que analisam fotografias do fundo do olho. De maneira análoga, sistemas automáticos foram desenvolvidos para avaliar feridas nos pés de pessoas com diabetes através de fotografias, informando se há risco de evolução desfavorável e desta forma motivando o cuidado adequado; vale lembrar que, infelizmente, diabetes figura entre as principais causas de amputações de pés em nosso país.
Pessoas podem apresentar diabetes sem saber disso, mas quanto antes a doença for detectada, maiores as chances de uma vida saudável e livre de complicações. Nesta linha, temos recursos que envolvem IA e que podem auxiliar nessa detecção: ferramentas como o How Voice podem identificar o diabetes através da análise da voz do paciente. Essa tecnologia inovadora oferece um método de triagem rápido, acessível e não invasivo.
Chatbots e assistentes virtuais: Ferramentas de IA, como chatbots e assistentes virtuais, oferecem suporte e orientação individualizada aos pacientes sobre diabetes, estilo de vida saudável e autocuidado. Isso empodera os pacientes, ajudando-os a seguir seus planos de tratamento, compreender sua condição e tomar decisões mais saudáveis e conscientes sobre sua saúde e prevenir o desenvolvimento da doença. Adicionalmente, através do auxílio pela IA na tomada de decisões práticas pela pessoa com diabetes em seu dia-a-dia, um tempo importante pode ser economizado a cada dia; como exemplo pode ser mencionado o cálculo da composição nutricional de uma refeição através da fotografia do prato com os alimentos. Da mesma forma, tais algoritmos integrados em sistemas de prontuários eletrônicos podem economizar um tempo precioso dos médicos e outros profissionais de saúde, que normalmente gastam períodos consideráveis lidando com dados de sensores, por exemplo. Desta forma, a economia de tempo reverte em maior tempo dos profissionais para interagir com os pacientes, fornecer orientações e tirar dúvidas durante os atendimentos.
Pesquisa e desenvolvimento acelerados: A IA está acelerando a pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias para o tratamento e a cura do diabetes. Isso inclui o desenvolvimento de novos medicamentos, insulinas e dispositivos de monitoramento.

Desafios e Considerações:

  • Acesso e equidade: É importante garantir que as tecnologias de IA para diabetes sejam acessíveis a todos os pacientes, independentemente de sua renda, localização ou nível de conhecimento tecnológico.
     
  • Segurança e privacidade: A segurança e a privacidade dos dados dos pacientes são fundamentais. É crucial garantir que os sistemas de IA sejam robustos e protejam as informações confidenciais dos pacientes. A utilização da IA no diabetes levanta preocupações adicionais sobre como os dados pessoais são coletados, armazenados, compartilhados e protegidos.

     

  • Integração com o sistema de saúde: A integração das tecnologias de IA com os sistemas de saúde existentes é essencial para garantir a sua efetividade e adoção em larga escala (interoperabilidade).

     

  • Interpretabilidade dos modelos: Algoritmos de IA complexos, como redes neurais profundas, podem fornecer previsões precisas, mas muitas vezes são difíceis de interpretar. Isso pode ser um problema em contextos médicos, onde os médicos precisam entender como e por que uma determinada decisão foi tomada para confiar nela. A falta de transparência neste aspecto pode até mesmo impedir que desenvolvedores e usuários percebam a tempo erros no funcionamento dos sistemas; tais falhas podem, em última análise, custar a vida de pessoas.

     

  • Generalização para diferentes populações: Modelos de IA treinados em uma determinada população podem não se generalizar bem para outras populações, impedindo desta a reprodução de uma boa performance em pacientes que residam em países diferentes daqueles onde o sistema foi validado. Tais discrepâncias podem ser explicadas em função de diferentes etnias, constituição genética, disparidades culturais e ambientais. Por esses motivos, é muito importante que os modelos sejam desenvolvidos em amostras que adequadamente representem a diversidade da população em que serão empregados, e que também sejam validados quando sua aplicação for ocorrer em uma população diversa. Este tema é conhecido como viés algorítmico.

     

  • Aceitação e adoção clínica: A aceitação e adoção de sistemas de IA na prática clínica podem ser desafiadoras. Os médicos e os pacientes podem ser cautelosos em confiar em modelos de IA para tomar decisões clínicas importantes, especialmente se não compreenderem completamente como os modelos funcionam.

     

  • Regulação e responsabilidade: A regulação de sistemas de IA na área da saúde ainda está em desenvolvimento, e há questões em torno da responsabilidade em caso de erro ou mau funcionamento do sistema. É importante estabelecer diretrizes claras e responsabilidades para garantir a segurança e eficácia dos sistemas de IA.

     

  • Custo e acessibilidade: O desenvolvimento e a implementação de sistemas de IA na área da saúde podem ser caros, o que pode limitar sua acessibilidade, especialmente em países com recursos limitados.

Conclusão:

À medida que entramos em 2024, é evidente que a Inteligência Artificial está desempenhando um papel crucial na transformação do tratamento do diabetes. Com sua capacidade de análise de dados em escala e personalização de cuidados, a IA está oferecendo novas perspectivas e esperanças para milhões de pessoas em todo o mundo que vivem com essa condição desafiadora.

Regulação e discussão ampla em diversos setores é fundamental para o avanço da IA. 

Abordar esses desafios requer colaboração entre pesquisadores, profissionais de saúde, reguladores e outros interessados para garantir que a IA seja usada de forma ética, segura e eficaz no tratamento e manejo da diabetes.

A Sociedade Brasileira de Diabetes atua dentro do Departamento de Saúde Digital, Tecnologia e Inovação para se tornar protagonista neste debate sobre o desenvolvimento e implementação da IA na Diabetologia e também, de forma abrangente na área da saúde, com o objetivo de contribuir para que toda a sociedade possa desfrutar dos ganhos potenciais das novas ferramentas, sempre com responsabilidade e rigor científico. 

Texto escrito por Dr Marcio Krakauer e Dr Fernando Malerbi

Revisão: Departamento de Saúde digital, Tecnologia e Inovação da SBD

Dr Walter Minicucci (Coordenador) Vanessa Araujo Montanari, Talita Trevisan, Laura Cudízio, Rodrigo Lamounier, Flavio Pirozzi, Edson Perrotti, Luciano Albuquerque.

DOI: 10.29327/5412848.2024-10